quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A bolinha de tênis .

                                                               
A Rua Otávio de Souza era bem diferente da que temos hoje ,  não havia  asfalto . As casas , a igrejinha , a pedreirinha , todos esses elementos , faziam um cartão-postal singular daquele cantinho do mundo . Eu morava entre a rua Cachoeira , próximo  da igrejinha , que ainda era toda de madeira , de cor azul celeste . Na frente da igreja havia uma pedreirinha , era assim que era chamado aquele ponto turístico , de onde podia-se ter uma visão privilegiada de uma área verde enorme . Havia  também uma torneira pública  , onde o povo vinha buscar  água   - o povo chamava essa torneira pública de PENA -
procurei isso em dicionário e não achei nada sobre esse sentido da palavra  , e onde ,  é  claro podia-se atualizar todas as novas informações  da área : as  fofocas .

Neste cenário , mais um pouquinho abaixo , havia uma pequena lomba , onde era o palco  do jogo de taco . E é  justamente ai , que começa o episódio  de uma planejada e bem sucedida ação   de vingança . A vingança cheirosa , perfumada  , com cor ,  com  sabor  de um sarcasmo único e apoteótico .

O jogo de taco , é  feito com duplas , faz-se um pirâmide de gravetos - chamada de CASINHA  , e um buraco na frente , onde o taco deve  permanecer quando a bola estiver  em movimento . A missão da dupla que fica  atrás da casinha , é derrubá-la , enquanto o taco em movimento estiver  fora do buraco . A dupla que detém  os tacos , troca  de posição , gerando pontos , quando a bola é  arremessada na direção da casinha , pois esse é o objetivo : ou seja derrubá-la .

O jogo rolava normalmente , quando de repente surge o Alfredo, com a sua DKW , e estaciona o carro , praticamente ao lado de onde nós  estávamos jogando . Pedimos a ele se daria pra colocar o carro mais a frente e  a resposta  foi  ríspida :

- Se por acaso  essa bolinha  bater  no meu carro , vocês vão ver , hein ! Acho bom vocês pararem com esse jogo de merda .

Eu ainda insinuei : - A rua é  pública !

O filho da puta correu atrás de mim pra me dar uns cascudos , mas não conseguiu me pegar .

Todo mundo ficou com raiva do filho da puta , eu então , nem se fala . Falou mais um monte de elogios de baixo  calão e entrou no pátio da casa da namorada . Sandra , era esse o nome dela , gente boa , mas o namorado realmente estava procurando sarna pra se cagar , e se cagar mesmo .

No meio de toda essa palhaçada , percebi que ele apenas havia batido a porta do carro - a porta da DKW abria ao contrário , ou seja , a maçaneta ficava próxima do motor do carro , junto ao retrovisor , logo , dessa forma era comum entrar e jogar o corpo pra sentar .
O jogo continuou , apesar de todas as ameaças do Alfredo . Entre tacadas e tacadas , a bolinha bate no retrovisor e vai parar , justamente , dentro do pátio da casa da Sandra . E lá vem o Alfredo , que nem um dragão , soltando fogo pelas ventas , com uma faca na mão . Pegou a bolinha cheio de raiva e começou a gritar : - Olha o que vou fazer com essa bolinha de merda . Meteu a faca na bolinha e jogou-a de volta pra nós  . Ainda gritou mais : - Quero ver se não para essa merda desse jogo e se alguém achar ruim , eu meto a porrada .

Agora vem um detalhe importantíssimo : a bolinha de tênis era minha , só esse detalhe : a bolinha era minha .


Realmente o clima ficou pesado , muitos com medo , foram embora , outros ainda por ali , resmungavam que aquilo não estava  certo .

Eu olhando aquele cenário , a minha bolinha toda retalhada , clamei por uma justiça divina  , limpa : bem , nem tão limpa  e que tivesse um impacto inesquecível pro Alfredo , pra  ele  nunca mais esquecer na vida .

  
Olhei , pensei em encontrar uma maneira , uma forma original , de fazer com que aquele filho da puta nunca mais esquecesse .  Foi quando vi alguém  saindo de uma patente - olha essa patente que me refiro , não é aquela de registrar ideia ou produto 

e sim de dar uma cagada , largar um   barro , botar um charuto pra fora .

Ali , cada casa daquelas tinha uma patente , com um belo e grandioso buraco , que ficava cheio de merda , cheios de moscas gordinhas , pretinhas , azuladas , esverdeadas , um verdadeiro festival ,
com aqueles bichinhos brancos , como base de apoio logístico - os saltões - enfim , um monte de coisas que poderiam dar um brilho cheiroso , radiante , iluminado e marcante na vidinha do super Alfredo , o exterminador de bolinha de tênis , o destruidor de jogo de taco .

Peguei uma lata de tinta e um dos tacos e fui até  a  patente da minha casa e enchi a lata de merda , aquela merda bem fresquinha , molinha , cheirosa , com alguns grãos de feijão , pra dar um toque mais realístico , requintado , na minha vingança que já começava a ter um cheirinho de sucesso .

Começava a anoitecer e o silencio  estava no ar daquele cantinho do mundo . O Alfredo com certeza , já havia esquecido da festança que ele havia apro
ntado , da bolinha de tênis , ou melhor , dos restos mortais de uma ex-bolinha de tênis . Ele esqueceu ,  mas eu : NÃO .

Com aquela lata cheia de merda , e um taco , fui sorrateiramente ao lado da DKW , e abri uma das portas e dei inicio a uma das maiores obras de arte da minha vida e da minha  história neste planeta  .

Comecei pelos pedais , coloquei bastante merda nos pedais , depois na direção , nos bancos dianteiros  e  traseiros . Ficou tão bonita a obra de arte , que  faltou merda . Tive que voltar à  patente e encher outra lata de merda , e refazer todo o ritual novamente . Que delícia , pensar , e aguardar a chegada do Alfredo e ver a  cara de alegria  de  nojo e raiva , que o filho da puta iria fazer .    

 
Pra fechar com chave de ouro , fechei a porta e passei bastante merda na maçaneta , no retrovisor . Bota merda boa nisso , não via a hora de ver a merda que toda aquela merda iria dar .

Me escondi atrás de uma moita e fiquei aguardando a explosão da merda atômica , o terremoto de  merda , um furacão de merda , uma tsunami de merda e , principalmente a cara de merda do Alfredo .

E lá vem o Alfredo com a Sandra , cheio de amor pra  dar pra ela . Caminham de mãos dadas ate o portão , trocam algumas caricias , algumas palavras e o beijo final , caloroso , longo , molhado , desenhando uma paixão latente entre aqueles dois lindos pombinhos .

Ele caminha  até o carro e vai direto abrir a porta . Quando ele se da conta que esqueceu a porta aberta ,  vem ai a cheirosa e magnificente
surpresa . Aquilo deveria ser gravado , um registro visual , mas ficou na minha lembrança , na do Alfredo e da Sandra , mas que com certeza não possui o mesmo brilho  e  significado que possui pra mim .
Ao colocar a mão na  porta , e sentir aquele geleia grudada na maçaneta , o vivente começou a vomitar fogo , brasa , dinamite e clamar o nome do anjinho que teve aquela brilhante e cheirosa ideia . O homem pulava de raiva , sangue nos olhos , aquilo era mais do que raiva , pois pra cuspir fogo daquela maneira , só dragões  de contos  de fadas .

De longe , atrás da moita eu observava tudo , com uma alegria imensa , com uma satisfação de ter feito um bom trabalho , de ter dado uma boa lição , mas o melhor ainda estava por vir .   

Eles entraram e voltaram com um balde d'água , sabão , pano e escova . Enquanto lavavam a DKW , o Alfredo continuava vomitando brasa em forma de  palavrinhas de baixo calão, desejava apenas encontrar o gênio que teve aquela brilhante e cheirosa ideia . E finalmente chegaram ao fim , lavaram o  carro  todinho , ele também teve que tomar um banho , pra tirar a morrinha da merda que ficou impregnada.

Colocaram pra dentro  o material de limpeza e voltaram ao ritual de despedida . Ai , agora , que vem a parte mais bonita da festa . O Alfredo abriu a porta da DKW , e jogou o corpo no banco . Que coisa  mais linda  . Foi  ele sentir que havia sentado sobre  uma coisa molinha , cheirosa e cremosa . O cara deu um grito , um grito de Tarzan , de tanta raiva . Ai veio o efeito dominó , colocou os pés na merda , ao tentar sair , colocou as mãos  na merda , quando mais tentava sair da merda , mais merda aparecia . Que espetáculo maravilhoso , simplesmente maravilhoso .

Ele ficou todo cagado , todo cagado , o carro estava todo cagado , que coisa linda , ver aquela cena
  cheia de merda com o Alfredo sendo o protagonista . Ele não conseguia mais falar de tanta raiva , começava a faltar brasa de elogios pra sair da boca do sujeito .

Ele saiu do carro , completamente todo cagado . Lá  de trás da moita eu conseguia sentir o cheiro . Foi buscar  água , sabão , pano , escova , trocar de roupa , tomar um banho , enfim , dar uma geral em tudo .


E eu com a sensação de ter feito um bom trabalho e ter dado uma lição inesquecível no super Alfredo . Com certeza , creio que pro resto da vida , quando ele ver uma bolinha de tênis , irá pensar duas vezes antes de exterminá-la . O jogo de taco ficara para sempre na memoria  do vivente .

E a minha bolinha de tênis , foi maravilhosamente bem vingada , até  hoje tenho boas memórias daquele dia  do jogo de taco . Seco ou molhado ? Era como se escolhia as duplas pra sair jogando , apenas dando uma cuspida em um dos lados do taco . Jogava pra cima e pronto , estava iniciado o jogo .

Seco ou molhado ? Tacos , casinhas de gravetos , e uma bolinha de tênis .

Acabei descobrindo  depois  de  muito  tempo  que o Alfredo  era  gremista   ,  vejam  só  ,  ...   gremista ! 

O que não se faz por uma bolinha de tênis , né  !















Um comentário:

  1. O Alfredo acabou descobrindo que fui eu que fiz essa obra de arte . Alguém pode deduzir o que ele ainda quer fazer comigo ?

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