terça-feira, 8 de janeiro de 2013

E se acontece um terremoto !

    Durante o tempo que vivi no Japão , minha vida foi cercada por muito altos e baixos , coisas que até   hoje , dentro da minha concepção , atribuo ao cumprimento do meu carma espiritual .
    Nos últimos anos , já estava visível os efeitos da recessão econômica que começava a mostrar suas unhas pelo  país , por suas esquinas , pelas  estações     de metro de Tokyo , Yokohama , Shibuya , Shinjuku , Ueno e Harajuku , o número de homeless aumentava , bares e casas noturnas encerravam suas atividades mais cedo e o meu trabalho ficava cada mais escasso . Paralelo a isso , um cuidado redobrado com os profissionais , que faziam o mesmo trabalho ,mas que faziam questão , também , de me verem pelas costas .  

    Bem antes de começar essa fase , eu já vinha pensando seriamente , em voltar pro meu país   . Algumas coisas estavam constantemente presentes no meu pensamento , como : família , filhos , amigos e habitação . Era preciso diluir isso dentro de mim , pra me abastecer de toda energia possível na direção do ocidente conhecido , tão diferente quanto o oriente desconhecido , que enfrentei há alguns anos atrás .
    Um dos lugares mais chiques que trabalhei , no bairro de Ginza , fechava suas portas por falta de clientes , não mais tendo condições de suportar um custo operacional astronômico .
   Não havia outra alternativa nesta fase , a não ser ter que encarar um trabalho numa fábrica . Não podia esperar o navio bater no iceberg para vê-lo afundar , alias , conheço bem esse filme , e sei muito bem como acaba . Literalmente : não .

  Nesta fase  , eu estava  morando  em  Tanashi  ,  um  bairro  normal  assim dizendo , medido  pelos  parâmetros   japoneses  ,  consequentemente , um  lugar  frio , insosso , lugar  comum apenas  . Tornava-se  cada  vez  mais  difícil viver  lá  ,  meu  dia-a-dia era , apoteoticamente,  muito  chato  , uma  vez  que  , a  coisa  que  tenho de  maior  importância  dentro  do meu  ser ,  tornava-se  cada  vez   mais difícil  de  ser exercida com a  qualidade  devida , ou  seja :  a  música  .  
  Neste  processo incontrolável  ,  é  indubitável ,  que  uma  coisa traz outra ,  ou seja , o  não  exercício de algo  que traz  prazer  , a partir  do  momento  que  ele  não  é  exercido ,  provoca   uma  cadeia  de emoções  na  pessoa ,  que  ela  não  espera ,  mas  , tem  que  ,  indubitavelmente  ,  conviver  diariamente  consigo  mesma . 
  Conviver  com  aquela  inércia estava  maltratando  minha alma , minha sensibilidade  . O convívio social perdia seu brilho , pois  a medida que eu entendia os  códigos do que chamo de  cultura  invisível , o que não  era falado , explicitado  , era muito  mais  amargo do que o som que eu entendia  pelo espaço da atmosfera que  me envolvia .   


Falar um idioma , não significa entender tudo que é  dito verbalmente , tudo que seus olhos estão vendo , tudo que você esta comendo , bebendo , tudo que você esta tocando . Falar outro idioma , transcende tudo isso na linguagem invisível do olhar , do gesto , da indiferença , da xenofobia de biótipos e até na linguagem do amor .

Lembro-me claramente de tudo que aconteceu no mês de fevereiro de 2011 . A medida que escrevo , parece que estou assistindo um filme , onde eu sou o protagonista de uma historia feita sem roteiro .

Depois de muito procurar , consegui uma entrevista , para trabalhar numa metalúrgica na cidade de Kawasaki , bem distante do lugar que eu estava morando . Implicaria em ter que mudar para o alojamento da empresa .

Fazia muito frio e eu estava de touca , luvas e uma jaqueta de couro com algumas franjas , estilo índio americano . Para mim eu estava vestido de uma forma NORMAL , sem ornamentos e adereços , mas  vejam bem : eu estou dizendo isso pra EU , no meu ponto de vista , ok ! Foram nada mais nada menos que seis   trens -  três  para ir e três  para voltar - , iniciei em Tanashi - Seibu Shinjuku Line -  indo até Takadanobaba  - JR - , onde fiz o primeiro norikai  ( trocar de trem ) , desci a seguir em Ueno , onde troquei para a linha KEIHIN-TOHOKU na direção de Kawasaki . Chegando lá , estava o entrevistador me aguardando na estação , na saída minami  ( sul ) , lado direito . Engraçado , eu lembro de todos esses detalhes e não lembro o nome do entrevistador . Que coisa importante que minha memória não gravou , né !

A entrevista foi divida em duas partes , ou seja , o entrevistador brasileiro nissei , conversou comigo dentro de uma van em português e me disse algo completamente fora de qualquer contexto , vejam só :
- Da pra você tirar o casaco para falar com o próximo entrevistador ?

Esse próximo entrevistador seria um japonês e segundo ele , não iria gostar da cor do casaco . Não estou falando de um casaco vermelho , amarelo , e sim de um casaco marrom . E olha que naquele dia estava muito frio . Pra não perder a viagem , não contestei e tirei o casaco e fui fazer a merda da entrevista . Agora entrevista em japonês , nos moldes da cultura japonesa , completamente diferente da nossa . Tudo bem até ali , meu japonês é  suficientemente bom pra esse tipo de coisa . Umas perguntinhas bobas , sem sentido , para avaliar absolutamente nada da minha capacidade cerebral , nada da minha pessoa , indubitavelmente nada de nada .

Após passar por essa bateria de perguntas bobas , levaram-me até uma janela de vidro no segundo andar e mostraram onde eu iria trabalhar . Esqueci de citar algo importantíssimo dessa estória da história : eu nunca tinha chegado perto de uma metalúrgica . De longe , tudo aparentemente parecia fácil , e como sempre nem tudo que reluz é ouro e nem sempre o que balança cai .

O entrevistador nissei levou-me de volta até a estação , e no meio do caminho , paramos numa loja , onde eu comprei luvas , uma bota e uma jaqueta . Queria saber também , quando eu iria me mudar pro alojamento , para planejar a busca das minhas coisas , uma vez que eu iria começar no dia seguinte .

Neste instante meu sexto sentido gritou : Calma ... calma ! E se da uma merda errada no meio do percurso .

Mudar pro alojamento , implicaria em ter que me desfazer do apartamento que eu estava morando . Olha vocês não imaginam o que  é para um estrangeiro ter que alugar um apartamento , estando sozinho , no Japão . Decidi ir apenas pra dormir no alojamento sem entregar o meu apartamento , o que causou espanto no entrevistador , uma vez que , ninguém faz esse tipo de coisa , ou seja , ter uma despesa extra com um aluguel . Isso aconteceu numa quarta-feira pela manhã  . Eu iria começar a trabalhar nesta metalúrgica na sexta-feira .O mês é  fevereiro de 2011 , e o frio ainda esta muito forte .

Minha alma literalmente chorava pelo caminho de volta até  Tanashi , sentindo falta da música e do meu amigo Rodrigo que   já  havia partido há  alguns meses atrás , de volta ao  Brasil  e  não  para  o andar de  cima  , ok   . O trem lotado de pessoas jogando videogame sem balbuciar uma só palavra , sem desviar um olhar , sem manifestar nada naquela selva onde tudo funciona e nada sorri .
O que fazer naquele dia sem gosto de vitória , com gosto de saudade de amigo , sem música nas mãos , com amor no coração sem ter com quem dividi-lo ? Não   é  muito difícil deduzir a resposta . Antes de chegar ao  esconderijo , que era o que aquele lugar estava parecendo ser , passei numa loja de conveniência e comprei duas garrafinhas de Bolotinha Azul . Vocês devem estar se perguntando o que  é  Bolota Azul , né ! Bom , desde que me conheço por gente , sempre dei um apelido carinhoso , as vezes não muito carinhoso , para qualquer coisa que estivesse fazendo parte da minha vida , no momento , tempo e espaço . Bolota Azul foi um apelido que dei para uma marca de whisky chamada Nikka . Quando eu bebia aquela merda sozinho e ficava olhando pra garrafa vazia , não sentia a menor graça , ai eu ficava procurando o motivo de não ter graça . E as vezes , pra procurar o motivo eu tomava outra garrafa e continuava sem achar a porra do motivo . Ai eu dizia para eu : - Porra , que merda , essa merda dessa porra desse whisky Nikka não tem a menor graça . Não vou beber mais essa porra desse whisky Nikka . Se fosse um rabo-de-galo , uma Oncinha , um Velho Parreiro , uma Rio Pedrense , uma 51 , uma Rocinha , uma 7 , uma Vila Velha , uma 3 Fazenda , teria graça , mas Nikka não tem a menor graça . Vou trocar o nome dessa porra pra ver se fica com graça . Vou experimentar Bolota Azul , vamos ver como fica . Tomei mais uma e ai , com o nome trocado de Nikka pra Bolota Azul , a porra daquela merda de whisky ,  passou a ter graça .  Que maravilha agora !    Uma coisa muito minha  também , pois ,   adoro colocar , quando avalio uma questão como essa , filosófica , onde não tive oportunidade de  discutir com bacharéis , diplomatas , professores , poetas , intelectuais e  julianos ,   meus  neurônios  se chocaram buscando altíssimas informações :  bebi , logo existi , portanto ficou no diminutivo,  ou seja ,  a Bolota Azul ficou sendo Bolotinha Azul , ok !

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Foi o Carnaval que passou

     Volta e meia sempre me vem a mente uma frase que escutei de uma mulher que amei muito : O convívio , o amor , o sexo ,  as  emoções , se diluem de forma mais harmônica , no processo do envelhecimento compartilhado .
E agora vejo que não é  uma coisa , que fica restrita somente na relação de um casal , mas que se expande no âmbito social também . Todas as vezes que essa mulher maravilhosa , tocava neste assunto , eu não dava a atenção devida , e a conversa ficava como mero fundo musical pra se tomar vários e vários chopes .
      A primeira fase da minha  vida  foi aqui em Porto Alegre , onde cresci , estudei , onde eu fugia pra tomar banho na lagoa , onde soltei minhas pandorgas , jogo de bolinhas de gude , carteira de cigarro , tampinhas de garrafas . O Grupo Escolar Piauí era todo de madeira , havia um campinho de futebol bem ao lado do Arroio Passo Fundo , onde eu e meus amigos corríamos atrás de uma bola de borracha de pé no chão , muitas vezes pisando nas rosetas e nos espinhos .

     A rua Otávio de Souza era uma rua que gozava de um privilégio   incomum , pois havia uma linha de bonde que vinha até a rua Mata Coelho . Na praça Guia Lopes havia o cine Terezópolis , o primeiro cinema que entrei na minha vida numa tarde de domingo , o ingresso custou 250 cruzeiros .
     Sempre dei muito trabalho pro condutor do bonde , melhor dizendo pro cobrador , pois nunca me sentava nos bancos como um  garoto normal , o bom mesmo era viajar de bonde pendurado nas portas .
    Neste canto do mundo comecei a dar meus primeiros acordes de violão , coisa que aprendi somente olhando pros outros mais espertinhos , que se divertiam tocando Renato e Seus Blue Caps .
   Carrinho de lomba , patinete , arquinho , brincar de pneu , brincar de motorista de ônibus , fazer estradinhas no chão e passar um carrinho de plástico . Tantas lembranças , tantas coisas chacoalhando meus neurônios , chacoalhando a minha alma , chacoalhado meu coração .
   Me vem novamente as palavras da mulher que amei e não dei o valor merecido , que me dizia que envelhecer compartilhado era a base de uma qualidade de vida , quando a idade começasse a mostrar que chegou pra ficar e que não tem conversa . 

  
    Nesta fase da vida estão todos os registros sociais eu diria , todas aquelas pessoas que de fato pertencem e construíram a minha identidade social , coisa que até então eu nunca havia me tocado .

    A primeira namoradinha , a primeira experiência sexual , o baile dos sábados a noite , coisa que raramente pude ir , pois não tinha dinheiro . Eu as vezes ficava na frente , do lado de fora do Nonoai Tênis Club , pra ficar escutando o Impacto , a Ana Mazzoti ,  tocando  aquelas delicias musicais que até hoje me provocam um verdadeiro orgasmo musical de prazer . Um outro detalhe , que vale salientar , mesmo que eu quisesse e pudesse pagar , não poderia entrar , pois não entrava preto nesta época . Não é ficção , não entrava preto nesta época , alias , lá e em outros clubes também . Isso tudo que estou me referindo , são elementos externos da formação da construção da minha identidade social . Inconscientemente , eu nunca havia me dado conta disso e parado realmente pra pensar sobre esse novo mundo a minha volta , que eu havia esquecido   , mas que se encontra vivo como um vulcão dentro de mim . Como se eu não tivesse visto que o tempo passou a minha volta , carregou muita gente junto com ele e eu não fiquei pra trás , fui junto com todo mundo .

    Agora eu pego as palavras da mulher que amei e as coloco num âmbito mais universal , e o que vejo , e principalmente constato e sinto , não é nada , nada agradável . Me coloca numa nova dimensão , numa nova estratosfera , da descoberta de uma consciência que estava me machucando sem eu saber decifrar a razão . Ontem dia 3 de janeiro de 2013 , aconteceu uma coisa comigo , ou melhor  ,  eu vi algo que chacoalhou meus neurônios , me deixou zonzo psicologicamente , me deixou como um cachorro que caiu da mudança , mas que me deu uma espécie de luz para começar a aprender a conviver comigo mesmo, com a minha realidade , com a minha identidade social , que eu havia , literalmente : perdido . 

      
      É uma fase de muita transformação eu diria , principalmente , quando ela não foi compartilhada com outra pessoa e com o meio social , das referências sociais que citei , que são os amigos , colegas , a relação com a natureza , com a cultura invisível ( falarei mais tarde sobre essa expressão ) , com a sexualidade e a busca da felicidade .  Já   não sou mais atrativo para as mulheres , meus anseios e desejos continuam latentes , mas exerce-los  parece uma grande muralha a ser transposta . Outro dia me perguntei o que fazer com esse amor que carrego dentro de mim , e como encontrar uma jeito de dividi-lo , como encontrar um jeito de compartilhá-lo .
Inevitável , não lembrar das palavras de um amor que tive , que tinha a silhueta de uma rosa , que soava e cheirava como uma rosa . As vezes ficava tão forte que eu podia chama-la de Rosa , rosa Maria , e até de Maria Rosa .

   
Desde que voltei a viver no universo da minha referência social , eu ainda não tinha , de fato , me dado conta , o quanto o tempo passou pra mim também . Foi um impacto violento o que eu vivi e senti na hora que revi uma pessoa .

    Foi uma manhâ  comum , sem brilho algum , como outra qualquer . Fui até uma lotérica pra pagar uma conta de condomínio , quando de repente eu vejo essa pessoa cruzar por entre tantas que ali estavam aguardando em duas filas .

    Era o Carnaval , não estou me referindo ao carnaval da avenida , com samba-enredo , mulatas lindas , pierrôs , colombinas , com luzes e adereços , refiro-me a uma pessoa que tem esse apelido : Carnaval .


    Eu já me cruzei com varias pessoas , isso é  muito comum andando pelas ruas de Porto Alegre . Mas nenhuma tinha me causado esse impacto psicológico , que esse personagem desencadeou . Essa pessoa me fez voltar no tempo e rever o meu registro histórico , biológico ,  social , cultural , emocional e a minha autoestima de agora . Uma pessoa que morou na mesma rua , criou-se ali naquele canto de planeta , logo faz parte do meu registro de referencia social . Fiquei assustado com a aparência da pessoa , vendo ali , ao vivo e a cores , que o tempo não perdoa ninguém , e pela primeira vez na vida , eu fiz uma auto avaliação da minha vida , da minha historia , e da minha aparência também . Como sou visto aos olhos de outras pessoas , o que elas sentem também . Não foi uma sensação nada , nada agradável , mas que me trouxe algumas respostas que eu estava precisando encontrar.

Não vou dizer aqui , que compactuo com o tempo , mas ele faz o seu papel , não direi aqui que me faz feliz , tenho que conviver com isso tudo a minha volta .


Como tenho claras aqui , as palavras de um amor que tive . Não sei o que me espera pela frente , mas ainda sinto muita vontade de dividir o meu amor , de escrever novas canções , encontrar um novo amor , pra , quem sabe , compartilhar o tempo que me resta .
E não é  muito  , pelo que  tenho  vivido aqui no meu  país  ,  não é  muito  mesmo .

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Escorregando no meu sonho

Caminho  pela  rua sem querer estar ali
A  música que invade  meus  ouvidos
Não   é  a  que quero  ouvir
E essa   água   que  me  banha  e  me  acolhe
Não  é  a  água  que sacia  minha  sede
E  não  renova  minhas  células

Esse  amor  que  eu  carrego

E que  não me  faz  feliz
Que  no  sonho eu  escorrego
No  desejo  de  dividir  esse  amor ...

O que fazer  com esse  amor ...

O que  fazer  com  a  vontade de usar esse  amor .
Com  essa  vontade  de  gritar todo esse amor ...
Com a vontade de beijar com todo esse amor .
Caminhar de mãos dadas com todo meu amor
O que fazer com esse  amor .

Deixe-me ti amar , quero cantar uma canção pra você .

Quero dar esse amor  pra  você ...
Quero  sentar lá no Gasômetro
E esperar o pôr-do-sol

O que fazer  pra esse amor , com esse amor .

O tempo parou  de  ajudar .
Não sei o que me espera  ...
Mas vou continuar a ti amar .