quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Foi o Carnaval que passou

     Volta e meia sempre me vem a mente uma frase que escutei de uma mulher que amei muito : O convívio , o amor , o sexo ,  as  emoções , se diluem de forma mais harmônica , no processo do envelhecimento compartilhado .
E agora vejo que não é  uma coisa , que fica restrita somente na relação de um casal , mas que se expande no âmbito social também . Todas as vezes que essa mulher maravilhosa , tocava neste assunto , eu não dava a atenção devida , e a conversa ficava como mero fundo musical pra se tomar vários e vários chopes .
      A primeira fase da minha  vida  foi aqui em Porto Alegre , onde cresci , estudei , onde eu fugia pra tomar banho na lagoa , onde soltei minhas pandorgas , jogo de bolinhas de gude , carteira de cigarro , tampinhas de garrafas . O Grupo Escolar Piauí era todo de madeira , havia um campinho de futebol bem ao lado do Arroio Passo Fundo , onde eu e meus amigos corríamos atrás de uma bola de borracha de pé no chão , muitas vezes pisando nas rosetas e nos espinhos .

     A rua Otávio de Souza era uma rua que gozava de um privilégio   incomum , pois havia uma linha de bonde que vinha até a rua Mata Coelho . Na praça Guia Lopes havia o cine Terezópolis , o primeiro cinema que entrei na minha vida numa tarde de domingo , o ingresso custou 250 cruzeiros .
     Sempre dei muito trabalho pro condutor do bonde , melhor dizendo pro cobrador , pois nunca me sentava nos bancos como um  garoto normal , o bom mesmo era viajar de bonde pendurado nas portas .
    Neste canto do mundo comecei a dar meus primeiros acordes de violão , coisa que aprendi somente olhando pros outros mais espertinhos , que se divertiam tocando Renato e Seus Blue Caps .
   Carrinho de lomba , patinete , arquinho , brincar de pneu , brincar de motorista de ônibus , fazer estradinhas no chão e passar um carrinho de plástico . Tantas lembranças , tantas coisas chacoalhando meus neurônios , chacoalhando a minha alma , chacoalhado meu coração .
   Me vem novamente as palavras da mulher que amei e não dei o valor merecido , que me dizia que envelhecer compartilhado era a base de uma qualidade de vida , quando a idade começasse a mostrar que chegou pra ficar e que não tem conversa . 

  
    Nesta fase da vida estão todos os registros sociais eu diria , todas aquelas pessoas que de fato pertencem e construíram a minha identidade social , coisa que até então eu nunca havia me tocado .

    A primeira namoradinha , a primeira experiência sexual , o baile dos sábados a noite , coisa que raramente pude ir , pois não tinha dinheiro . Eu as vezes ficava na frente , do lado de fora do Nonoai Tênis Club , pra ficar escutando o Impacto , a Ana Mazzoti ,  tocando  aquelas delicias musicais que até hoje me provocam um verdadeiro orgasmo musical de prazer . Um outro detalhe , que vale salientar , mesmo que eu quisesse e pudesse pagar , não poderia entrar , pois não entrava preto nesta época . Não é ficção , não entrava preto nesta época , alias , lá e em outros clubes também . Isso tudo que estou me referindo , são elementos externos da formação da construção da minha identidade social . Inconscientemente , eu nunca havia me dado conta disso e parado realmente pra pensar sobre esse novo mundo a minha volta , que eu havia esquecido   , mas que se encontra vivo como um vulcão dentro de mim . Como se eu não tivesse visto que o tempo passou a minha volta , carregou muita gente junto com ele e eu não fiquei pra trás , fui junto com todo mundo .

    Agora eu pego as palavras da mulher que amei e as coloco num âmbito mais universal , e o que vejo , e principalmente constato e sinto , não é nada , nada agradável . Me coloca numa nova dimensão , numa nova estratosfera , da descoberta de uma consciência que estava me machucando sem eu saber decifrar a razão . Ontem dia 3 de janeiro de 2013 , aconteceu uma coisa comigo , ou melhor  ,  eu vi algo que chacoalhou meus neurônios , me deixou zonzo psicologicamente , me deixou como um cachorro que caiu da mudança , mas que me deu uma espécie de luz para começar a aprender a conviver comigo mesmo, com a minha realidade , com a minha identidade social , que eu havia , literalmente : perdido . 

      
      É uma fase de muita transformação eu diria , principalmente , quando ela não foi compartilhada com outra pessoa e com o meio social , das referências sociais que citei , que são os amigos , colegas , a relação com a natureza , com a cultura invisível ( falarei mais tarde sobre essa expressão ) , com a sexualidade e a busca da felicidade .  Já   não sou mais atrativo para as mulheres , meus anseios e desejos continuam latentes , mas exerce-los  parece uma grande muralha a ser transposta . Outro dia me perguntei o que fazer com esse amor que carrego dentro de mim , e como encontrar uma jeito de dividi-lo , como encontrar um jeito de compartilhá-lo .
Inevitável , não lembrar das palavras de um amor que tive , que tinha a silhueta de uma rosa , que soava e cheirava como uma rosa . As vezes ficava tão forte que eu podia chama-la de Rosa , rosa Maria , e até de Maria Rosa .

   
Desde que voltei a viver no universo da minha referência social , eu ainda não tinha , de fato , me dado conta , o quanto o tempo passou pra mim também . Foi um impacto violento o que eu vivi e senti na hora que revi uma pessoa .

    Foi uma manhâ  comum , sem brilho algum , como outra qualquer . Fui até uma lotérica pra pagar uma conta de condomínio , quando de repente eu vejo essa pessoa cruzar por entre tantas que ali estavam aguardando em duas filas .

    Era o Carnaval , não estou me referindo ao carnaval da avenida , com samba-enredo , mulatas lindas , pierrôs , colombinas , com luzes e adereços , refiro-me a uma pessoa que tem esse apelido : Carnaval .


    Eu já me cruzei com varias pessoas , isso é  muito comum andando pelas ruas de Porto Alegre . Mas nenhuma tinha me causado esse impacto psicológico , que esse personagem desencadeou . Essa pessoa me fez voltar no tempo e rever o meu registro histórico , biológico ,  social , cultural , emocional e a minha autoestima de agora . Uma pessoa que morou na mesma rua , criou-se ali naquele canto de planeta , logo faz parte do meu registro de referencia social . Fiquei assustado com a aparência da pessoa , vendo ali , ao vivo e a cores , que o tempo não perdoa ninguém , e pela primeira vez na vida , eu fiz uma auto avaliação da minha vida , da minha historia , e da minha aparência também . Como sou visto aos olhos de outras pessoas , o que elas sentem também . Não foi uma sensação nada , nada agradável , mas que me trouxe algumas respostas que eu estava precisando encontrar.

Não vou dizer aqui , que compactuo com o tempo , mas ele faz o seu papel , não direi aqui que me faz feliz , tenho que conviver com isso tudo a minha volta .


Como tenho claras aqui , as palavras de um amor que tive . Não sei o que me espera pela frente , mas ainda sinto muita vontade de dividir o meu amor , de escrever novas canções , encontrar um novo amor , pra , quem sabe , compartilhar o tempo que me resta .
E não é  muito  , pelo que  tenho  vivido aqui no meu  país  ,  não é  muito  mesmo .

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